Foi a primeira mulher a receber o prestigiado Prémio DuPont de Ciência.
E é portuguesa. O trabalho que coordena na Faculdade de Medicina de Lisboa já deixou marcas na comunidade científica internacional.
Ninguém imagina que aqueles laboratórios escondidos num canto do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, possam ter tanto para contar. Por entre os inúmeros tubos de ensaio e máquinas mais sofisticadas, aparece-nos a cientista portuguesa mais falada do momento. Discreta, como o próprio laboratório que dirige, começa por contar por que dedica todo o seu tempo e energia à investigação. "A paixão é muito forte", confessa Maria do Carmo Fonseca. Por isso, "o trabalho assume-se como prioritário, quase obsessivo. É uma coisa natural para mim, até por ser um tipo de actividade a tempo inteiro, não há horários". Entre as aulas de Biologia Molecular a estudantes de Medicina e as pesquisas no laboratório, é pouco o tempo que sobra. Mas quando se tem um emprego virado para algo tão valioso como a descoberta da cura para o cancro, as horas do dia não podem ser uma limitação. No laboratório, em casa, durante os seus passeios a pé e até quando conversa com os colegas, as pesquisas estão sempre presentes. O pensamento flui melhor justamente quando parece não estar de serviço: "O avanço científico é o resultado da interacção entre as pessoas, por isso toda a investigação tem de ser uma actividade internacional. Ter contacto com outras realidades é fundamental. A prova disso é que as melhores ideias me surgem quando converso com os colegas."
A Companhia DuPont, criada há 200 anos nos Estados Unidos, foi responsável por algumas das invenções que mais revolucionaram o dia-a-dia das sociedades modernas. No seu currículo, estão descobertas tão famosas como o nylon, o teflon e a licra. Inicialmente, o trabalho da companhia centrava-se no fabrico de pólvora, mas a sua actividade foi-se diversificando e Elenthere Irenee DuPont, fundador desta empresa de investigação, viria a tornar-se uma figura importante na pesquisa química, nomeadamente para a agricultura. Não admira que o progresso aliado às descobertas científicas continue a ser a prioridade. O Prémio DuPont, instituído em 1991 por Severo Ochoa, foi criado precisamente com o objectivo de incentivar e valorizar trabalhos que contribuam para o avanço da ciência. Em 2002, foi a primeira vez que o prestigiado galardão permitiu a candidatura de portugueses.
Venceu uma cientista nacional. Por unanimidade.
Apesar das conhecidas dificuldades dos cientistas portugueses, para esta especialista em Genética Molecular a nacionalidade nada tem a ver com a exigência de ganhar mundo: "Se não vamos para fora, a possibilidade de descobertas é limitada. Mas isto vale para todos, não é só para os portugueses."Maria do Carmo Fonseca formou-se em Medicina, mas nunca exerceu. Desde o primeiro ano da faculdade, a paixão pela Biologia surgiu como um chamamento. A convite de um professor, estagiou no Laboratório do Instituto de Biologia da Gulbenkian e nunca mais parou. Depois do doutoramento sobre A Estrutura Interna da Célula Humana, veio o aprofundamento no campo da Genética Molecular.Embora toda a sua actividade se baseie em tubos, microscópios e computadores, a cientista nunca se esquece que está a trabalhar para melhorar a saúde das pessoas. O esforço deste tipo de investigação é quase sempre invisível, desconhecido por doentes e até por médicos. Mas sem ele não haveria curas nem tratamentos.Como explica de forma apaixonada, é à Genética Molecular que tem dedicado os últimos anos da sua carreira de investigadora.
"Os genes contêm a informação que determina a célula. Decidi estudar o seu surgimento para perceber de que modo é que dá origem a células com funções diferentes. Se soubermos como funciona o gene, percebemos a raiz da doença."Ou seja, uma vez decifrado o seu modo de funcionamento, poderá perceber-se como corrigir o que está errado e encontrar tratamentos, já que "a maior parte das doenças, como o cancro, são causadas por alguma malformação genética". Os 15 profissionais - biólogos, médicos, bioquímicos, veterinários, engenheiros e informáticos - que compõem a equipa que Maria do Carmo Fonseca dirige no Centro de Biologia e Patologia Molecular trabalham para definir uma espécie de "geografia" do genoma.
O objectivo é ver "como é que a compartimentação do genoma contribui para o seu funcionamento".
A importância desta arquitectura genética deve-se ao facto de algumas doenças, como a leucemia e certos tipos de anemia, "serem causadas por uma má localização de partes do genoma dentro da célula". A equipa de Maria do Carmo Fonseca trabalha para explicar como as coisas acontecem. Os médicos tentarão aplicar os novos conhecimentos aos seus doentes.Mas a cientista acredita que não foi só isso que chamou a atenção do júri do Prémio DuPont: "Desenvolvemos novas tecnologias para visualizar o genoma em células vivas. Conjugamos o computador, o laser e o microscópio e adaptámos os vários aparelhos aos estudos que fazemos. Este método permite observar o funcionamento das células vivas. Sem isto, só se podiam ver mortas. Outros laboratórios, da Alemanha, EUA e França, vieram aprender connosco." O trabalho da equipa que coordena já é reconhecido lá fora e alguns cientistas vêm de propósito a Portugal para aprimorar os seus conhecimentos no Centro de Biologia e Patologia Molecular da Faculdade de Medicina de Lisboa.
A investigadora premiada representa uma nova geração de cientistas portugueses. Embora passe horas fechada no laboratório, nem por isso defende que o lugar dos investigadores deve ser numa torre de marfim. É mesmo com satisfação que verifica o interesse da opinião pública pela sua área de pesquisa. "O trabalho do cientista não é estranho à vida do dia-a-dia. A polémica à volta do genoma é positiva porque cada vez a ciência sai mais do laboratório. A genética é a área que está a chegar mais às pessoas e esse é um aspecto muito atractivo", reconhece. Nem sequer as queixas de falta de meios e visibilidade da maioria dos investigadores são partilhadas por Maria do Carmo Fonseca. "Ser cientista em Portugal não é mais difícil do que nos outros sítios. O grande problema é que temos um país periférico e somos poucos a fazer ciência. Por isso, sinto a falta de um ambiente científico. Não se interage como se devia. Mas, com a facilidade de viajar que hoje há e com a Internet, esses problemas podem minimizar-se."O facto de ter sido a primeira mulher a ganhar o Prémio DuPont em 12 anos de existência do galardão não tem qualquer significado para Maria do Carmo Fonseca, que se confessou muito surpreendida com a escolha do júri. "Divulgámos os nossos trabalhos em artigos científicos e congressos. Foi assim que souberam o que fazíamos. Ser mulher ou homem não importa. É uma actividade profissional. Se há mais mulheres a fazer ciência, é natural que o impacto do que fazem seja maior. É apenas um resultado estatístico", conclui, com uma franqueza desconcertante.
E com a mesma naturalidade revela que os 30 mil euros (seis mil contos) do seu prémio serão para melhorar o laboratório a que tem dedicado os últimos 10 anos da sua carreira. "Vou doar o dinheiro para o que mais gosto de fazer. Isto é estatal, mas também é meu. Além disso, o prémio só foi possível graças ao trabalho de toda a equipa", justifica. Maria do Carmo Fonseca é um caso excepcional de sucesso e projecção internacional, mas está longe de ser a única mulher cientista do país. De acordo com dados recentes da Comissão Europeia, 43 por cento dos investigadores nacionais são do sexo feminino.
Portugal é o Estado europeu com mais mulheres investigadoras, à frente de países como o Reino Unido e a Áustria.
1 comentário:
Tive hoje a honra de assitar a uma palestra dada por esta brilhante personalidade, na Faculdade de Medicina de Lisboa! Adorei a sua presença e a forma como comunicou com a plateia! Viu.se e, confirmo agora, que e' uma pessoa que gosta e e' apaixonada pelo que faz! E' sempre uma honra e um orgulho ver o trabalho dos nossos reconhecidos!
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